Assisti, recentemente, a uma programação para crianças numa igreja. O assunto era a segunda vinda de Cristo. A pessoa que falava era bem treinada e, provavelmente, havia dado a mesma lição muitas vezes—uma numa série de lições preparadas pela organização que representava. As crianças estavam atentas e, no início, eu também. Ele começou a falar sobre a importância de estarmos preparados para a volta de Cristo. Em algum momento, durante a palestra, destacou o fato que esta volta seria repentina, num piscar de olhos, e mandou todas as crianças olharem para ele porque iria falar algo bem sério.
Perguntou então, a cada uma, como seria se bem no momento em que Jesus voltasse, ela estivesse soltando um palavrão. Ou dando um soco no colega da escola? Ou lendo uma revista que não prestava? Ou …?
Olhei aqueles rostinhos atentos e, enquanto que meu corpo permaneceu sentado no banco, minha mente se afastou para bem longe daquela aula. Voltei para um passado longínquo, quando eu também era criança. Para os dias e anos em que vivi apavorada com a noção da repentina volta de Cristo. E fui me perguntando se meus pais tiveram consciência deste meu medo, pois, afinal, o temor que eu sentia não se encaixava com o conteúdo da sua fé—com o que acreditavam ser o ensino da Bíblia e que pensavam estar passando para mim e para meus irmãos.
Creio que já falei antes que não havia pressão nas crianças da nossa família e da nossa igreja para “aceitar a Jesus hoje” ou “antes de que seja tarde demais”. Não havia uma página nas nossas Bíblias para marcar o dia e a hora em que nos convertemos. Aprendíamos as histórias da Bíblia na Escola Dominical e em casa, no colo da nossa mãe. Em cada lar, o pai lia a Bíblia em voz alta nas refeições e ambos os pais procuravam modelar e ensinar os princípios que se aplicavam aos incidentes da nossa vida. Éramos repreendidos e castigados na hora das desobediências, mas nossos pais não ficavam surpresos com elas nem ficavam duvidando da nossa fé e do nosso destino eterno toda vez que aprontávamos.
Meus pais acreditavam que, se éramos alvo do poder transformador de Deus, o Espírito Santo usaria tudo isto para nos converter e moldar aos poucos. Portanto, falavam do amor de Deus para com seu povo—desde o Antigo Testamento até a atualidade. Falavam da ira de Deus com o pecado, mas também de arrependimento e de perdão. Compartilhavam a razão e a maneira pelas quais Jesus havia vindo, sofrido, morrido e ressuscitado para possibilitar a nossa reaproximação com Deus. Lembro-me de ter chorado no colo da minha mãe quando ela me contou sobre isto, em pequenas doses diárias. E eu me alegrava em crer, já com uns cinco ou seis anos, que Ele havia morrido por mim também, pois eu fazia parte do povo de Deus, da família de Deus, numa situação de amor recíproco. Aqueles que antes estavam a caminho do inferno (um lugar bem horrível e real) poderiam ir morar com ele num lugar maravilhoso. Para mim, naquela época, eu ainda tinha muitos anos na minha frente e, um dia, eu iria para o céu.
Mas aconteceu algo para perturbar a minha segurança, a minha paz. No retrospecto “vapt-vupt” que fiz enquanto estava sentada na igreja, ao ouvir aquelas palavras, lembrei-me novamente da razão por trás disto. Era algo sutil, apesar de bem intencionado, proveniente de pessoas que tinham uma compreensão diferente da graça de Deus, divergente da dos meus pais e incompatível com aquilo em que também creio hoje.
Meu pai e a minha mãe colocavam um programa de rádio evangélico para escutarmos. Era dirigido a crianças e eu gostava muito porque parte de cada transmissão era formada por capítulos de histórias bastante interessantes, contados em seqüência, todo dia um pouquinho. Já que era a mais velha, fizeram uma assinatura no meu nome para receber os livros que eram formados por estes capítulos. Cheguei a ter bem uns cem volumes. Sempre o foco principal destas publicações, em meio às aventuras das personagens, era de trazer a mensagem do evangelho e fazer com que as crianças entendessem sua necessidade de salvação. Mas, além disto, eu escutava e lia apelos em que o medo do inferno era usado como um fator incentivador para as crianças se comprometerem com Deus. E a possibilidade da repentina vinda de Cristo era o argumento máximo para elas se comportarem.
Era um input do qual meus pais quase não participavam. E eles provavelmente nunca pararam para pensar a respeito do efeito sobre mim desta constante “ameaça” da volta de Jesus numa hora em que eu estivesse pecando. Pode ser até que achavam que os alertas sobre o castigo eterno de Deus para aqueles que eram surpreendidos pela segunda vinda de Jesus (ou pela morte) quando não estavam agindo de acordo com a vontade dEle serviam para nos motivar a obedecer-lhos e, portanto, facilitariam a vida em família.
Penso que eles não tinham noção da confusão na minha mente. Pois eu vivia, dia após dia, sem certeza da minha salvação. Eu não sei quanta percepção teológica as crianças tinham na classe que assisti, mas para mim, naquela época, era mais ou menos claro que se meu destino eterno pudesse ser determinado por um soco proferido bem na hora da volta de Jesus, ele também poderia ser afetado pela vontade de dar o soco, ainda que fosse reprimida. Ainda quando optava por não ser encontrada fazendo pecados óbvios, eu não queria que Jesus voltasse de jeito nenhum, pois eu desconfiava que iria direto para o inferno pelas atitudes internas. Eram displicências, orgulho, inveja, ira, egoísmo, insatisfação, … Cada uma, quando se manifestava, desagradava a Deus. Arrependida, procurava recuperar a aprovação dEle nas coisas que percebia, mas eu simplesmente não dava conta de cuidar de tudo. Existiam até coisas que fazia inocentemente que irritavam meus pais—então como eu poderia satisfazer um Deus perfeito? Como poderia me sentir “pronta” para recebê-lo no seu retorno?
Apenas quando passei dos doze anos e comecei a freqüentar aulas semanais de catecismo foi que me dei conta de que eu não precisava ter medo da volta de Jesus. Foi aí que compreendi que Deus havia me salvado uma vez por todas apesar do fato de que eu continuaria pecando de uma forma ou outra até o fim da minha vida. Que eu não precisava recuperar repetidamente um estado sem pecado para ser aceita de novo, e de novo, e de novo… Que se Jesus voltasse num momento em que estivesse xingando meu irmão, ainda assim eu iria para o céu. Pois eu era filha de Deus. Pois eu cria que Jesus havia morrido por meus pecados—todos eles—passados, presentes e futuros. Eu havia sido perdoada, no sentido eterno, uma vez por todas. Apesar de nunca me libertar inteiramente de todo o pecado, eu não seria condenada, pois não era mais escrava deste. Deus havia me adotado como sua filha perpetuamente e colocado seu Espírito Santo em mim para sempre. Satanás nunca poderia me arrancar da mão dele. Termos como graça, justificação, santificação e a perseverança dos santos começaram a fazer sentido para mim.
Com isto, fui liberta do peso de obedecer a Deus motivada pelo medo do inferno. Em vez disto, aprendi que o real incentivo tinha que ser a minha gratidão por tudo que Ele havia feito, fazia e faria. Era isto que eu tinha que desenvolver e nutrir, estudando a minha Bíblia e colocando em prática aquilo que aprendia. O Catecismo de Heidelberg é dividido em três partes que no inglês são intituladas com três “S”es ou três “G”s. (Sin, Salvation, Service ou Guilt, Grace, Gratitude—Pecado, Salvação, Serviço ou Culpa, Graça e Gratidão). E assim meu serviço (obediência) começou a se basear em amor e gratidão ao Deus que me amou primeiro e que me havia chamado para ser sua filha desde antes da criação, graciosamente salvando-me (para sempre) da culpa e do peso do meu pecado.
Meu tempo de criar filhos já passou. Talvez, um dia, poderei compartilhar as maravilhas de Deus com alguns netos ainda. Mas se você for pai ou mãe agora e acreditar nas “doutrinas da graça”—que “aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Romanos 8:30), então certifique-se que seus filhos não estejam sofrendo desnecessariamente com pavor da volta daquele a quem eles deveriam estar aprendendo a dizer “Maranata” ou “Amém. Vem, Senhor Jesus.” (1 Coríntios 16.22 e Apocalipse 22.21).
Uma vez que demonstram sinais do poder transformador do Espírito Santo nas suas vidas, eles precisam saber que, para os filhos de Deus, o fato de estarem pecando quando Jesus voltar, será embaraçoso, mas não fatal. O medo do inferno pode ser um fator importante na decisão inicial de servir a Deus, mas não pode servir de incentivo para continuarem obedecendo. O resultado será crianças tentando (ou desistindo de) serem salvas pelas obras, em vez de que pela graça. Que pena!
Betty
Muito bom, mãe– precisamos sempre estar alegramente ansiosos pela volta de Cristo– Maranata!
Cara Betty,
Excelente reflexão. Parabéns!
Infelizmente, esse medo e incerteza são algumas das “contribuições” do dispensacionalismo para a vida cristã.
Não sabemos o dia e a hora que Cristo voltará, nem se ele voltará daqui há dois ou dez mil anos, mas podemos ter certeza que o Deus que começou a boa obra em nós, há de completá-la até o dia de Cristo Jesus.
Quando morremos, podemos dizer que “Cristo voltou para nós”, e é motivo de alegria saber que Deus não joga dados, mas decretou cada um dos nossos dias. Assim, ninguém irá para o inferno por ter o azar de morrer justamente no momento que estava pecando. Salvação não é sorte, mas graça; não é obra do caso, mas sim do Deus todo-poderoso.
Um abraço,
Felipe Sabino
Querida Betty,
Sempre visito o seu blog e sou abençoada com suas palavras. Reflito, reavalio e coloco algumas questões diante de Deus.
Esse, em especial, veio concordar com muitas atitudes que eu e o Ricardo temos em transmitir a “mensagem de salvação” para a Amanda e a Letícia. Sem pavor! Mas com o objetivo de despertar o prazer em obedecer ao nosso Deus!
Olá Felipe:
Que honra ter um “monergista” lendo meu blog! Que Deus possa abençoar a você e a Aguimar enquanto encaminham seus três tesouros (Beatriz, Letícia e David Spurgeon–estão vendo seus nomes no meu blog?!) Que possam transmitir as doutrinas que lhes são tão preciosas de maneira simples e prazerosa (no dia-a-dia, caminhando, comendo, sentados e até no colo) conforme a necessidade e possibilidade de entendimento deles. Estou postando uma resposta para outra pessoa que comentou (a Raquel) que dirijo a vocês também.
Foi bom revê-los e conhecer seu novo lar.
Um abração para todos.
Betty
Querida Raquel:
Agradeço as suas palavras. Toda vez que empurro o “botão” “publicar” no meu blog procuro pedir a Deus que as minhas palavras não confundam mas que possam servir para embelezar ou esclarecer algum aspecto da vida cristã (na qual também me deleito, às vezes, e sofro e choro, outras vezes).
Desta vez, a minha ênfase é no medo repetidamente imposto em crianças que já estão querendo e procurando agradar a Deus (e que manifestam, da sua maneira infantil, que creem que Jesus morreu, no seu lugar, para receber o castigo dos seus pecados). A nossa tarefa não pára de ser uma de transmitir as verdades sobre pecado, condenação, castigo, sofrimento, consequências, morte e inferno através das histórias e ensinamentos da Bíblia e através de lições e confrontações práticas no dia-a-diia. Nem ficamos sem a obrigação de fazer com que a criança examine a si mesma para ver se está realmente querendo agradar a Deus (um visível sinal da conversão verdadeira que se aplica aos adultos também). Mas, ao mesmo tempo, temos o privilégio de compartilhar as boas novas de arrependimento, perdão, amor, misericórdia, graça, ESPERANÇA, a possibilidade de contentamento na terra e eterna felicidade no céu. Simultaneamente, podemos demonstrar o nosso próprio crescimento espiritual enquanto procuramos colocar em prática aquilo que nós mesmos estamos aprendendo num mundo em que elas também vão descobrir que a imperfeição, a tentação, o sofrimento e a morte continuam sendo realidade (por mais que tentemos protegê-las).
Peço a Deus para que a Amanda e a Letícia possam viver confiantemente no “temor” de Deus mas que o “pavor” inspirado por sua ira e a possibilidade de castigo e inferno seja algo confrontado cedo por elas. Assim elas poderão descansar no amor perfeito do Pai celestial, como elas já têm o privilégio de fazer frente à dedicação e carinho dos seus próprios pais.
Que Deus abençoe a você e ao Ricardo nesta tarefa e em todas as outras áreas em que estão servindo como seus servos fiéis.
Abs, Betty
Olá Betty!
Acessei seu blog “por acaso” e estou muito contente (e grata a Deus) por isso!
Gostei muito do seu post e do seu blog também!
Que Deus siga te abençoando!
Um grande abraço,
Karina.
Mana que Deus te abençoe e te der cada dia mas de sua graça.
Mana eu as vezes me pego em desespero por imaginar não estar com Cristo em sua volta, e ao ler este seu artigo muito me ajudou a ter mas fé e confiança naqEle que me chamou para sua maravilhosa luz.
Graças a Deus por sua vida.
e muito obrigada por ter me dado seu blog.
um grande abraço
Leciley
num to intendendu nada du q è cronicas
OLÁ, TENHO 46 ANOS E SOFRO ATÉ HOJE COM O MEDO DA VOLTA DE JESUS PELO FATO DE TER CRESCIDO EM UMA IGREJA QUE FALAVA DESTE MOMENTO TRANSMITINDO MEDO, E PIOR AINDA MINHA MÃE ATÉ HOJE FALA SOBRE A VOLTA DE JESUS DESSA FORMA:TRANSMITINDO MEDO.ESTOU CANSADA DE SOFRER COM ISSO, E SUAS PALAVRAS BETTY ESTÃO ME AJUDANDO. QUERO FICAR LIVRE DESSE MEDO, QUERO USUFRUIR DA GRAÇA DE DEUS, CHRO MUITO AOS PES DO SENHOR…
Encontrei hoje seu site ao pesquisar sobre um estudo acerca de Marta e Maria. Li vários textos seus e todos me trouxeram aprendizado. Esse aqui especialmente, pois sou mãe e seu texto me chamou à reflexão! Deus te abençoe e continue sendo um canal de bençãos.
Olá, Quenia:
Fico contente que vc gostou dos textos que leu. Enquanto criava meus quatro filhos (na era pré-internet), eu sempre gostava de ler artigos e livros escritos por pessoas mais experientes que eu. Tirava um pouquinho daqui, outro pouquinho dali…
No momento estou me preparando para falar a um grupinho de mães sobre como amar seu marido (as pessoas acham que porque eu escrevo, eu tb devo poder falar bem–não é bem assim, mas vamos lá–desta vez). O grupo está estudando o livro As Sete Virtudes da Mulher: Como ser uma mãe e esposa feliz de Carolyn Mahaney (Editora Vida). Ela trabalho o texto de Tito 2.3-5 onde as mulheres mais velhas tem que ensinar 7 coisas as mais novas. Me pediram para compartilhar sobre a primeira coisa da lista… Estive lendo o livro agora, em preparação, e gostei. Tv vc gostaria tb.
Não posso “conversar” mais agora pois estou correndo, mas lhe desejo muita sabedoria, paciência e felicidade na sua missão de mãe.
Abs, da irmã em Cristo, Betty
Boa demais esta reflexão, ainda não tenho filhos, mas este foi um aprendizado hoje de que deverei passar essa segurança de salvação para eles no futuro. Amei este blog, acessei por acaso e descobri coisas maravilhosas para mim.Que Deus continue lhe inspirando assim, para abençoar outras vidas.
Querida Katya (Katia?):
Fico contente que você “amou” algumas das coisas que escrevi. Também tenho sido muito abençoada pelos escritos de outras pessoas, às vezes para me preparar para alguma área, às vezes para encontrar perspectivas bíblicas e sugestões para ações alternativas para aquilo que já estou fazendo. Às vezes, apenas para descobrir ou desfrutar de algo belo ou significativo.
Peço muita sabedoria de Deus para você e seu (futuro?) marido se for da vontade de Deus terem filhos. É um grande desafio, mas é um privilégio também, e muito abençoador.
Abs, de Betty