A Minha Vida Ficou Mais Florida (5)

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Nesta série—“Minha Vida Ficou mais Florida”—estou postando várias histórias escritas por minha sogra, para seus netos, derivadas de memórias do seu tempo de menina e moça. Meu propósito é demonstrar como a sua sensibilidade à natureza colore e enriquece as suas lembranças e as nossas vidas. Creio que algumas das minhas leitoras mais idosas, com suas próprias lembranças da vida rural, no “tempo antigo”, irão gostar de serem levadas a mergulharem num passado que, talvez, foi um pouco parecido….

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O relato que se segue ocorreu na segunda metade da década de 1930, quando o pai da jovem Valderez era pastor da Igreja Congregacional de Munganga, no estado de Pernambuco. No início, eu pretendia publicar apenas a sua descrição do encanto de uma fazenda vizinha onde a abundância de flores davam um constante ar de dia de festa. Onde havia beleza todos os dias do ano… Mas, depois, resolvi pedir sua permissão para colocar a maior parte da narrativa… Pois, pelo desenrolar dos eventos, por ter ficado acanhada com uma situação e por ter sido causa involuntária de um dano material, ela acabou achando que seria melhor evitar encarar a família das suas amigas…. Assim, nunca mais freqüentou aquele paraíso.

Boa leitura!

Betty

PARAÍSO PERDIDO

O Sr. Miguel Jorge e D. Lica eram proprietários de uma linda fazenda, cujo nome era Montes Claros. Ele era presbítero da Igreja e eles possuíam seis filhos: Antônio Jorge Araújo, Miguel Filho, Cidrac Araújo, Dulcineia, Tercília e Maria José.

Dulcineia já era uma moça. Tercília e Maria José eram adolescentes. Elas gostavam muito de mim e eu delas. Aos domingos, na Igreja, elas pediam à minha mãe pra eu ir passar a semana lá em Montes Claros. Meus pais permitiam e os pais delas me levavam. Era bem longe, talvez umas três léguas (12 km), de Munganga até lá.

Eu admirava muito a beleza daquela fazenda — flores por todos os lados da Casa Grande. Era grande de verdade… O terraço rodeava toda a casa, pintada de branco, com janelas e portas azuis. Na frente, uma escadaria, com muitos degraus. Tudo nela era grande e bonito.

As trepadeiras subiam pelo terraço com suas lindas e perfumadas flores, as roseiras com cores variadas, os jasmins, os lírios brancos de odor suave, delicioso, as orquídeas, os cravos brancos, vermelhos, e as cravinas, as saudades brancas enormes e as amarelas, lindas, lindas! Os crisântemos que enobreciam os grandes jarros prateados… Os bambus… Parecia que era um dia de festa… Era festa, sim, e só beleza todos os dias do ano…

Era a casa que eu mais gostava de ir. As meninas e mesmo D. Lica, tão elegantes, eram muito alegres! Brincávamos muito de “esconder” e Dulcineia era muito criativa — inventava inovar as antigas brincadeiras… Ela nos orientava nisso – fechava uma de nós num dos quartos e dizia “esconda-se”… Todos os quartos tinham grades de madeira, nas janelas.

Um dia ela fez isto comigo e me cochichou: —Pula pela grade e te escondas lá fora. Não te acharemos! Saiu e fechou a porta do quarto. Trepei numa cadeira e coloquei primeiro os pés pelas grades e fui descendo para o lado de fora da casa. Só que quando cheguei na altura das orelhas, aí a cabeça não passava, no quadrado da grade e eu fiquei fazendo força e nada! Fiquei com tanto medo que alguém passasse ali e me visse naquela posição! Pelejei, pelejei e não descia e nem podia retroceder — literalmente eu estava presa ali, pendurada… Aí gritei e gritei por Dulcineia e ela não chegava — nem abria a porta do quarto, e nem ia pelo terraço para me socorrer. Gritei de novo, por dona Lica, por Tercília e Maria José…

Então Miguelzinho ouviu os meus gritos e veio pelo terraço saber o que era. Quase morri de vergonha! Eu pensava: —Certamente as minhas ‘calçolas’ estão aparecendo! Botei pra chorar. Miguelzinho não dava bola para as nossas brincadeiras, mas fora chamar D. Lica e esta chamou Dulcineia para abrir a porta do quarto. D. Lica estava aflita e brigava com Dulcineia: —Quando você vai tomar juízo? Brincar junto com as meninas está bem, mas daí fazer-lhes malvadeza! Você precisa de um castigo!

Nisto ouvi as vozes do Sr. Miguel e de Antônio Jorge e uma correria pro lado de cá, no alpendre e o Sr. Miguel falando com raiva. Chegou bem perto de mim (e eu tremia de medo e de dor no meu pescoço, nas orelhas, na cabeça… Ele era um homem austero e eu estava com muita vergonha de ter me comportado assim, como u’a menina mal educada. O que diria minha mãe?). Era quase a hora do almoço, eu aprontara aquela demora toda, toda a família ali reunida, as meninas chorando e Miguelzinho com ar zombeteiro…

Sr. Miguel tentou mais uma vez e não conseguiu. Então deu a ordem a Miguelzinho —Vá buscar o serrote, a caixa de ferramentas. Ele foi correndo e eu pensei —Será que ele vai serrar o meu pescoço? Aí eu morro e vou para o céu… Até me animei! Não teria que encarar todo mundo e meus pais! E eu pensei —Que prejuízo vai ser! Sr. Miguel não vai me perdoar!

Ele estava zangado. Aí me disse: —Não se mexa! Ai que medo! Tudo em mim doía e ardiam as minhas orelhas… Ele serrou, devagar, com cuidado para o serrote não me ferir e mandou que Dulcineia me sustentasse com força, pra eu não cair…

Eu falei chorando: —Desculpem Sr. Miguel e D. Lica, estraguei a sua janela. As meninas me abraçaram e D. Lica também. —Vá tomar um banho, minha filha. Fique com a cabeça debaixo do chuveiro por muito tempo. Mandou Dulcineia ir comigo. Eu nem olhava pra ninguém, na mesa. Depois do almoço pedi a D. Lica pra me deixar ir pra casa no dia seguinte, pois era dia de culto de oração e doutrina, na Igreja. Ela insistia que eu só deveria ir no domingo, pois foi o dia marcado com minha mãe, pra eu ir. Mas insisti e ela me levou.

Esta foi uma boa lição pra mim — não fazer uma coisa que eu não tivesse a certeza de que aquilo não traria prejuízo pra ninguém.

Dali em diante nós nos encontrávamos na Igreja, éramos amigas, mas nunca mais, depois de ficar pendurada na janela, eu quis ir passar dias, lá na linda Montes Claros!
Valderez

Um Comentário a “A Minha Vida Ficou Mais Florida (5)”

  1. Isia disse:

    Gostei muito.Lembrei o meu tempo de crianca.Isia

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