Há quatro dias, acompanhei meu marido ao hospital para ele fazer um exame de ressonância magnética. Enquanto ele preenchia uma tonelada de questionários, eu me aproximei do aquário num lado da sala de espera.
Aquários me fascinam. Toda vez que olho, vejo algo mais. Seres belos, maravilhosos, bizarros, misteriosos… E, sem perceber, absorvo a paz e a serenidade que os donos normalmente pretendem comunicar ao ambiente em que me encontro.
Não sei quantas vezes na minha vida já tive o privilégio de ficar parada diante do vidro de um aquário com um ou mais dos meus filhos, admirando e comentando o formato, as cores e a variedade dos seres aquáticos ali contidos. Normalmente em momentos de doenças ou de alegrias—em hospitais, clínicas médicas, shopping centers ou restaurantes… Voltando periodicamente à contemplação, quando as minhas tentativas de entretê-los se esgotavam, para descobrirmos mais seres, mais formatos e mais cores; e maravilharmo-nos com a criatividade do nosso Pai celestial, apenas naquele microcosmo do nosso imenso universo.
Meu marido me passa seu celular e entra pela porta do centro diagnóstico a caminho do seu teste… Os peixes e as outras criaturas continuam se movendo—suave e lentamente, surgindo das fendas e desaparecendo nas frestas das pedras. Há uma criatura listrada de vermelho e branco que parece um cruzamento entre um escorpião e uma aranha, cheia de antenas e pernas. Um vento artificial sopra de um canto, e faz com que os peixes prefiram abrigar-se nas rochas ou concentrar-se no lado mais distante. Um deles, combinando as mesmas cores, mas de forma quadriculada, paira por trás de uma pedra. Outros ostentam um azul e amarelo brilhante, lado a lado. Tem algo parcialmente escondido debaixo de uma “rocha”. Vejo o que parece ser uma cauda longa e fina, mas talvez seja uma cobrinha, listrada de preto e cinzento.
A televisão está ligada e o senhor ao meu lado está acompanhando os últimos detalhes do caso da “menina Isabella”, enquanto repórteres esperam fora da casa dos avós dela, aguardando o desfecho do inquérito hoje. Ele olha para mim, com uma expressão melancólica, e eu comento—meu sogro passa os dias acompanhando esta história. É muito triste!
Ele concorda e abre seu celular para mostrar a foto de uma menina de sete anos. E ele diz—Eu sofro mais ainda, porque perdi minha filha três anos atrás. Eu que sofro porque perdi minha filha sem querer, não posso entender como alguém possa fazer isto com a própria filha. Dá vontade de esganá-lo! Ele então me conta a história da morte dela, por uma bactéria nunca identificada, em menos de um dia, enquanto eles estavam de férias no nordeste, longe de casa. Como ele tentou fazer respiração boca-a-boca, sem sucesso, enquanto corriam no táxi para o hospital… No caso da menina, ele acredita que o pai é culpado, pois não teve semelhante reação desesperada de socorrê-la.
Pergunto se ele tem mais filhos. E ele abre o celular de novo. Tem, sim. Um menino sorridente de dois anos, ao lado da menina de cinco que é filha da sua nova esposa… O primeiro casamento acabou após a tragédia.
Uma outra senhora se senta no sofá na nossa frente e a conversa retorna às cenas na TV. Esta já é avó e está impressionada com a maldade manifestada em pessoas instruídas, que não são faveladas. Os dois revelam porque estão aí, naquela sala. Ele, porque já teve um aneurisma cerebral e agora precisa verificar a situação. Começa a explicar, mas seu nome é chamado. Dizemos adeus e ele também desaparece por aquela porta …
A senhora se levanta para ficar mais perto, no sofá ao meu lado, e me explica que machucou o pé há um mês e que não tem melhorado. Conta-me um pouco sobre seus netos, e depois revela que ela também fora criada pela madrasta, desde os três anos, e que sofreu muito porque aquela senhora nunca lhe amou como filha, e seu pai não soube administrar aquilo. Mas que os pais e os irmãos desta nunca fizeram distinção entre ela e a sua meia-irmã e lhe deram muito do amor e segurança que precisava para crescer feliz.
Comentamos que se já foi difícil nos tempos em que as pessoas casavam novamente apenas em casos de viuvez, imagine agora quando elas entram e saem de vários relacionamentos. São homens e mulheres que se vêem obrigados a serem pai ou mãe para crianças que vêm a tiracolo, que não foram planejadas ou esperadas, que não são suas e que precisam amar, controlar e direcionar, sem ser permitido sistematicamente criar ou discipliná-las. Mas a nossa conversa é interrompida por um enfermeiro e ela também some por trás da porta….
Eu fico no sofá, refletindo sobre o pai enlutado e sobre a senhora que se sentia órfã em meio à sua família. São sofrimentos que carregam dentro da alma. Agora acentuados pelas incertezas físicas. E, como pano de fundo, mais desgraças no mundo, sendo descortinadas pelos repórteres na televisão.
Abro meu laptop e começo a escrever. Depois de alguns minutos, me levanto para olhar o aquário de novo. Estou intrigada com a maneira com que contrasta com o ambiente em que está inserido. Ainda não vi tudo… Presto atenção aos corais ou anêmonas—animais tão estranhos que servem como as “plantas” do lugar—são cinco ou seis tipos com tentáculos frondosos bem distintos. Um rapazinho pré-adolescente se junta a mim e olhamos e comentamos juntos, distraídos por um pouco de tempo. Ele está usando uma pulseira amarela igual à do meu marido. Daqui a pouco será a vez dele submeter-se ao exame—aquele que faz homens que sempre se consideraram fortes e destemidos entrarem em pânico com a sensação de claustrofobia que frequentemente acompanha a prolongada demora no túnel da máquina. O que será que este menino tem?
Novamente sentada, fico observando e escrevendo. Outros recém-chegados param diante do aquário e depois conversam entre si. Assuntos tanto triviais quanto sérios. Além da ansiedade com o exame em si, imagino que estejam querendo tirar o foco de preocupações mais profundas. Todos receberam o mesmo aviso. O veredito da equipe médica sairá num laudo que será entregue na quarta-feira. Saberão se o osso não colou, se o câncer voltou, se o tumor cresceu… Para alguns, tudo é novo e desconhecido. Estão se preparando para enfrentar as possíveis conseqüências de um diagnóstico—uma cirurgia, um tratamento talvez doloroso ou muito dispendioso…
Outros já estão cientes até das medidas que poderão ser tomadas para tentar erradicar ou frear o mal do qual os médicos suspeitam. Possibilidades assustadoras povoam as suas mentes. Radioterapia?… Quimioterapia?… Amputação… Ficarão cicatrizes?… Sua aparência ficará desfigurada ou mutilada?… Ficará incapacitado de alguma maneira? Temporariamente? Permanentemente? E quanto à dor?… Haverá muito sofrimento?… O mundo como eles o conhecem, ou almejam, talvez nunca mais seja o mesmo.
De certo modo até, não sei se para poucos ou para muitos deles, esta pequena sala de espera pode estar lhes parecendo uma ante-sala da morte… Para si ou para uma pessoa amada… Ainda assim, controlam a expressão do rosto e modulam o volume da voz enquanto, internamente, talvez tenham vontade de rasgar aqueles questionários ou pular da maca na qual irão deixar se levar tão docilmente, e correr dali gritando, para nunca mais voltar…. Para não saber… Para não precisar enfrentar…
Enquanto isso, diante de nós, os peixinhos continuam nadando calmamente, inteiramente alheios aos pensamentos caóticos ziguezagueando pelas cabeças dos seres humanos ao seu redor. Não percebem o descompasso entre o que estes tentam aparentar e o que realmente estão passando e pensando.
É óbvio que a pessoa decoradora deste ambiente hospitalar foi sábia quando colocou o aquário. Tudo naquele micro-ecossistema foi minuciosamente planejado para comunicar paz e beleza. Os predadores foram excluídos e possíveis pragas estão sendo continuamente combatidas. Os filtros são controlados para manter a translucidez da água. Promove-se equilíbrio entre luz, calor, oxigênio e nutrientes.
E assim os habitantes deste pequeno universo podem ser vistos e apreciados em toda a sua graça e formosura. Agradam porque transmitem tranqüilidade no seu mover silencioso e harmonioso. Multiformes e multicoloridos, encantam por sua diversidade. Um senso de exótico e mistério nos fascina e reforça a noção (tão necessária nesta hora) que nem tudo que é desconhecido ou que nos surpreende é ruim. Inconscientemente, percebemos que, se abrirmos os olhos e pararmos para prestar atenção ao mundo que nos cerca, podemos ainda vislumbrar incríveis cenas de beleza e encontrar recantos sossegados para nos refugiar. E isto nos afasta do desespero. Nos dá esperança…
Poucos chegam a filosofar sobre o momento, como eu, mas a maioria das pessoas que param diante do aquário, sente necessidade de verbalizar algo do seu maravilhar. E, assim, fragilizados pelas enfermidades que compartilhamos, somos levados a desconsiderar barreiras e conversar com pessoas desconhecidas. Deste modo tiramos, por uns poucos momentos, o foco dos nossos próprios temores e dores.
A porta se abre. Um enfermeiro me chama para ficar com meu marido na sala de recuperação… Olho para o aquário, mais uma vez, despedindo-me silenciosamente daquele mundinho aquático que tanto me distraiu. E, enquanto sento ao lado do meu amado, ainda inconsciente depois de uma anestesia geral, me vem mais um pensamento….
É que, não importa qual o diagnóstico do exame, é possível ter a convicção que estamos apenas na sala de espera de um lugar ainda mais belo e encantador—um mundo mais colorido, iluminado, harmonioso e alegre. O Filho de Deus escolheu sair daquela perfeição e viver e sofrer no nosso mundo—angústias e dores inimagináveis—horrores muito maiores do que qualquer coisa que poderá nos sobrevir. Escolheu passar pela morte em meu lugar, levando sobre si todo o castigo que eu mereço sofrer por todas as vezes que tenho ignorado e insultado a Deus por minhas palavras e ações, e também nos meus pensamentos. Ele viveu novamente e, ainda que já esteja comigo em certo sentido, está me esperando num perfeito universo paralelo quando terminarem meus dias aqui, na terra. Pode ser na hora da volta dele ou de repente, por um acidente. Ou depois de um processo prolongado, com muitas outras salas de espera terrenas… Preciso sempre me lembrar de que o morrer é lucro e que estar com Cristo é incomparavelmente melhor.
Jesus prometeu: Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que onde eu estou estejais vós também…. Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.
É um lugar onde não haverá mais temor, pânico, sofrimento ou dor. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram.
Você está seguindo este caminho que leva á vida eterna? Vamos nos ver neste belo lugar? Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo. É simples assim. Enquanto isso, procure os “aquários” inseridos ou escondidos no seu mundo e dê glórias e graças a Deus por Sua criatividade.
Betty
(As citações bíblicas são de Filipenses 1.21,23; João 14.1-3,6, Apocalipse 21.4 e Atos 17.31)
Essa é a diferença entre as outras pessoas e você D. Betty. Se eu estivesse lá o meu post seria mais ou menos assim:
“Na sala de espera havia um aquário.”
Porém, na sua visão virou um post rico e abençoador. Deus te abençõe e continue escrevendo!
Daniel
Betty:
Quanta coisa bonita a ser vista em uma sala de espera! Fiquei pensando, após a leitura sobre o aquário tão arrumadinho e belo!
Será que ele estaria perfeito para os peixes, também? Como será a situação, do ponto de vista deles? Estão felizes com a constante exposição à luz? Será que eles acham estranha, aquela parede transparente, no seu habitat, desvelando um mundo no qual eles nunca conseguirão penetrar, tocar ou sentir? Estarão sendo forçados a viver com companheiros indesejáveis, dos quais eles nunca procurariam a proximidade em seu próprio meio ambiente? A água, estará transmitindo a sensação térmica e de alcalinidade desejável, a eles?
Fiquei pensando naquele aquário perfeito, aos nossos olhos, mas impenetrável, do ponto de vista dos peixes; mas com a plena convicção de que no céu, os aquários, além de belos, serão perfeitos até para os peixes…
Que Deus a abençoe,
Solano
Meu Querido Marido:
Pois é. Eu também pensei em algumas destas coisas. Mas resolvi me restringir à aparente situação idílica (de esperança, paz, harmonia e beleza) que os criadores do aquário pretendem transmitir aos pacientes naquela sala de espera.
Também cogitei que é apenas nos aquários (habitat artificial) que os seres humanos podem observar a beleza destes peixes. Somente mergulhadores com lanternas conseguem enxergá-las nas lagoas e nos mares (seu habitat natural). E lá, o seu propósito principal não é de distrair ou agradar os seres humanos. É o de sobreviver alimentando-se de outros seres vivos e depois fazer parte da cadeia de alimentação através da sua própria morte. Algo que nunca fazemos questão de mostrar aos nossos filhos pequenos.
Tendo já sido donos de um aquário bem parecido, lá em Manaus, nós dois nos lembramos muito bem como corríamos para “pescar” os bichinhos que morriam esporadicamente, para poupar tristeza aos filhos (como também devem correr aqueles que cuidam dos aquários em locais públicos). Recordamos a tragédia do dia que voltamos da igreja para descobrir que um dos vidros havia se destacado um pouco do outro (no imenso calor amazonense) e o tanque vasado quase todo. Alguns dos lindos e coloridos peixinhos já estavam mortos e os outros estavam se debatendo no fundo. Foi uma correria, com as crianças apressando-se para salvar o que restou, enchendo baldes com água. Depois vieram anunciar que haviam feito o enterro, por conta própria, debaixo de uma grande mangueira no quintal. E o lugar ficou marcado e apontado para visitantes até nós nos mudarmos para São Paulo, mais ou menos um ano depois.
Daquele dia em diante, ainda que os nossos visitantes poderiam se maravilhar da beleza e harmonia daquele mundinho bem cuidado, para eles, o aquário consertado também evocava lembranças do choque da perda deste dia e da batalha posterior para equilibrar o ecossistema (porque nem todos os novos peixinhos se respeitavam). No fim, as perguntas e observações deles tornou-se ocasião de conversar sobre a morte e se peixe tinha alma. Falamos sobre a diferença entre animais e pessoas, sobre o céu e como chegar lá. Foi até uma preparação amena para futuras perdas e para as mortes de pessoas amadas.
O contato com o desagradável pode ajudar a valorizar o belo. O conhecimento da tristeza pode servir para apreciar a alegria. E, neste blog, estou delegando as expectativas tristes à sala da ressonância e designando as perspectivas felizes à sala de espera.
Adoro “bater papo” com você, até por e-mail e comentários 🙂
sua Betty
Queridos Solano e Betty,
Até sem querer vocês me abençoam!
O amor demonstrado nesta troca de mensagens, fala muito mais do que o próprio assunto.
Este post deveria se chamar AMOR isso sim!
Tantos anos, quantos filhos, QUANTO AMOR!
Obrigado por serem para mim SAL e LUZ.
* Taí na minha intimidade passarei a me referir a vocês como o casal SAL E LUZ.
– Sal para o Solano que até rima (na letra “s”)
– Luz para Betty, que rima também, uma rima espiritual!
Sempre grato,
Carlos Henrique.