que vocês fazem do evangelho de Cristo e pela generosidade de vocês
em compartilhar com eles e com todos os outros—2 Coríntios 9.13 (NVI)
—Mãe, a senhora viu esta revista? Fiquei literalmente com o estômago embrulhado olhando isto! Como é que alguém pode viver num país como o nosso, com tantas pessoas pobres e doentes, e gastar fortunas em objetos deste tipo! Dá nojo!
Surpresa, Isabel olhou para o rosto irritado do Gabriel. – De que você está falando?
Gabriel enfiou a revista na mão dela. – Olhe aqui, o preço desta caneta. Dá para comprar um carro zero quilômetro! Ou dois, dependendo da marca! E estes brincos! O apartamento inteiro, que alugamos, não vale nem a metade deles! Como é que tem gente tão egoísta? Elas têm as gavetas – não são casas ou quartos, estou falando de GAVETAS – cheias de coisas que custam aquilo que poderia literalmente transformar a vida de uma rua inteira na Vila São João!
—Calma, filho! Tem muitas pessoas ricas que são generosas também. Elas têm liberdade de gastar o seu dinheiro!
—Que coisa, mãe. Logo a senhora! Deus nos dá as coisas para serem compartilhadas. Nos meus dias de “egoísmo agudo” aprendi que “eu não existo para ter, mas para ser.” Ou “aquilo que pode ser uma bênção quando dado, não deve ser guardado.” Foi assim que Papai e a senhora nos ensinaram! Ou não foi?
—Você ainda se lembra disso?
—Me lembro sim. A senhora acha que tudo o que nos ensinaram foi “deletado”? Gabriel beijou a mãe e acenou para a moça mexendo nas panelas no fogão. –Tchau, Áurea. Vou buscar Alice na rodoviária. Pelo cheiro, o almoço de hoje vai ser uma delícia! Áurea sorriu e continuou trabalhando.
Isabel sentou-se e deu uma rápida olhada na revista. Mostrava centenas de objetos de alto luxo oferecidos em lojas da sua cidade. Uns poucos eram úteis, capazes de prestar serviços exclusivos e fantásticos. Alguns eram belos e raros, de admirável estética. Podiam embelezar qualquer ambiente. Revelavam a capacidade criativa concedida por Deus aos seres humanos. Outros refletiam apenas o desejo do ser humano por status – eram coisas da moda que poderiam desvalorizar-se de um dia para outro. Embora sem concordar com a veemência do seu filho, apreciava o zelo dele para não ultrapassar a tênue linha entre apreciação e cobiça, entre bem-estar e ostentação… Um pouco depois pegou as chaves do carro para sair.
—Áurea, você pode servir almoço para os “meninos” quando chegarem?
—Pode deixar, D. ‘Bel. Já está quase pronto.
Glória chegou, seguida por seu irmão e por Alice, a futura cunhada. Gabriel pegou a revista. —Vocês duas, já viram isto? Olharam e ouviram os comentários de Gabriel. Glória refletiu —Sinto o mesmo que você. Não é estranho? Por que será que a gente não sente mais inveja das pessoas que têm estas coisas?
—Posso dizer o que eu acho? perguntou a Áurea, que ouvia a conversa e viera avisar que o almoço estava pronto.
—Claro!
—É por causa do Natal.
—Por causa do Natal? Porque Jesus nasceu?
Todos olharam para ela, demonstrando surpresa.
Áurea, meio sem jeito, continuou. —Isso também. Mas o que quero dizer é que os “meninos” desta casa aprenderam a não serem egoístas por causa do jeito que celebram o Natal, e acho que com a Alice é a mesma coisa.
—Como assim?
—É porque Dona Bel e Sr. Neto procuram fazer o Natal bonito para muita gente. Quando eu cheguei nesta casa, achava que pessoas como vocês só davam das suas sobras para pessoas como eu. Quando era menina, algumas mulheres distribuíram bonecas de plástico duro na nossa rua. Eram bonitas na hora, mas poucos dias depois não sobrou mais nada. Mas Dona Bel fez vocês saírem com ela (querendo ou não) para ajudar a escolher presentes do jeito que vocês gostariam de recebê-los. Tinha muita gente na lista dela e assim não podiam ser coisas muito grandes, mas tudo tinha que ser bom e bonito. Nada de ir para a “rua dos camelôs” para comprar coisas p’ra gente e depois para um shopping para comprar os presentes dos outros. As bonecas que vocês davam tinham cabelos e roupas, fechavam os olhos…. As portas dos carrinhos abriam e suas rodas não caíam.
— Você teve alguma boneca bonita, Áurea?
—Nunca. Mas minha filha tem. Por causa do Natal desta família.
Glória acrescentou —Confesso que eu achava aquilo tudo muito cansativo. Pensava que gostaria, só uma vez, de ter um Natal onde não precisava fazer nada exceto sentar junto da árvore na véspera e abrir um montão de presentes, como outros. A gente tinha que planejar, procurar, embrulhar, enfeitar… Depois me arrependi por ter pensado isso, quando Mamãe resolveu nos levar para a rua em que vocês moram. A gente foi de casa em casa, de noitinha, entregando presentes para cada membro da família das pessoas que ela conhecia. Você se lembra disto, Gabriel?
—Lembro. Era estranho ter todo mundo olhando p’ra gente. Mas comecei a me sentir como Papai Noel quando vi a alegria das crianças. E nunca mais reclamei quando Mamãe mandava separar roupas e brinquedos para dar para elas. Até briguei uma vez porque ela não me deixou dar um robô que levava sete pilhas. Ela disse que ia levar os pais do menino à falência se eu desse aquele presente.
Glória retrucou —Mamãe gosta muito de celebrar o Natal com árvore, presentes, comida, luzes… Mas ela não tolera Papai Noel. Se o saco ou o papel da loja tiver um, ela tira e embrulha de novo.
—Dona Bel diz que tudo no Natal tem que servir para poder falar de Jesus. Papai Noel não tem nada a ver com a mensagem da salvação, completou Áurea.
Gabriel disse —Alice, você já deve ter notado algo diferente no nosso Natal em família. A gente tem que procurar presentes para cada membro. Contando Vovô e Vovó, isto dá, no mínimo, sete pessoas. Dá muito trabalho! Eu reclamava, mas Mamãe e Vovó não arredavam pé. O Natal tinha que ser mais para dar do que para receber. Era o nosso jeito de mostrar que éramos agradecidos pelo presentão de Deus. Na distribuição, os presentes nunca iam direto de debaixo da árvore para o recebedor—por mais que quiséssemos apressar a entrega. Até hoje, ficam primeiro empilhados na frente de quem está dando e, aí, a gente vai um por um entregando os presentes que compramos, juntamente com um beijo. E todo mundo olha o seu, e admira os dos outros, antes de ser a vez do próximo.
— Gosto muito disto, falou Alice.
— Agora também acho bom. E por ser obrigado a dar (ainda quando Papai nos dava o dinheiro), aprendi a prestar atenção aos gostos das pessoas da nossa família.
—Eu me lembro da vez que Vovó me chamou de lado para dizer que havia ficado triste com a maneira em que reagi a uma coisa que você me deu, Glória. Acho que falei que não gostei da cor e ela me levou a pensar em coisas boas que poderia ter falado. Todas verdadeiras. Depois ela me contou sobre D. Lourdes, que quase não tinha o que comer, mas sempre fazia questão de dar uma “besteirinha” para vovó. Explicou que a coisa feia horrorosa na penteadeira dela demonstrava muito mais amor do que a travessa de cristal que Vovô havia recebido de uma firma. Foi uma conversa que me marcou muito, mas ela provavelmente nem sabe disto. Tive a petulância de dizer que o presente da Glória não demonstrava tanto amor assim porque sabia que ela havia comprado aquilo forçada.
Áurea chegou para tirar os pratos. —‘Tão vendo como tenho razão. Vocês aprenderam a ser generosos e educados no Natal. E eu e as outras “moças” também.
—Como assim, Áurea?
—Nenhuma de nós celebrava o Natal. Achava que não tinha dinheiro para estas coisas. De jeito nenhum! Então além de fazer um Natal bonito para nós, sua mãe começou a nos atiçar para fazermos a mesma coisa em casa. Eu nem ligava. Não cabia no meu bolso e pronto! E as outras moças do estudo eram do mesmo jeito. Mesmo quando Jesus já morava em nosso coração… Então, num dos primeiros Natais, Dona Bel deu árvores e enfeites para todas nós. E ela trazia coisinhas bonitas e dizia –você não acha que sua mãe gostaria de receber isto? Que tal colocar debaixo da sua árvore? Ou, olhe aqui esta camisa que Neto ganhou—está pequena. Pode servir no Edilton. Aí, já que tinha para Edilton e Mamãe, eu me via obrigada a comprar algo para minhas filhas com o décimo-terceiro. Assim ela nos ensinou como é bom dar alegria para outras pessoas. Agora ensino a mesma coisa para meus irmãos. Até minha mãe já pegou gosto. Ela não é crente, mas fica de olho nas liquidações para comprar roupinhas para os netos ficarem bonitos no Natal.
—Você falou uma vez que ficou crente por causa do Natal. Conte p’ra gente como foi.
—Deixe eu ver se eu me lembro direito. Acho que, no meu primeiro Natal nesta casa, sua mãe tentou explicar por que Jesus nasceu, mas eu não entendi nada. Ela estava só jogando a sementinha. Talvez mais com as ações do que com as palavras. Quando chegou o segundo Natal, ela estava dando um estudo bíblico para algumas moças e me convidou a participar. Primeiro, ela contou as histórias, usando cartazes com figuras que eram muito lindas. Depois lemos tudo de novo na Bíblia e ela explicou por que Jesus veio nascer e morrer. Foi neste tempo que comecei a entender o que era pecado. Mas também o que era o amor. Ainda demorei a entender que Jesus saiu do lindo céu para nascer e sofrer aqui na terra por minha causa. Mas agora tenho certeza disto.
Glória levantou e deu um abraço na Áurea. —Fico contente que as nossas reclamações não estragaram a mensagem do Natal.
Alice entrou na conversa. — Minha mãe também adora dar presentes e a gente ajuda ela a embelezar o Natal do povo da nossa fábrica. É árvore, cartão com mensagem evangelística, cestas, almoço, troca de presentes, programação…
Gabriel riu. —Já sei disto muito bem. Dona Mikako me alistou e tive que sair atrás de um monte de encomendas.
Alice continuou. —Também me lembro de ter saído com ela para comprar roupas de frio para enviar como presente para Celina, na Espanha. A gente nem namorava ainda. Meus pais lideravam o Grupo de Missões e conseguiram uma listona das coisas que eles desejariam receber no Natal se fosse possível.
— Juntei revistinhas para as crianças deles. E brinquedos também. No fim, um montão de pessoas na igreja se envolveu.
—Tinha roupas novas, e usadas…
—Toalhas de banho…
—Goiabada…. Panetone…
—Café e fubá…
—Arranjaram até uma pessoa para levar tudo e assim pouparam o preço do frete. Nem sei quem ficou mais contente, os que mandaram ou os que receberam. Depois leram uma carta deles agradecendo na frente da igreja.
—Depois de casarmos, juntando mãe e sogra, os nossos Natais vão ser muito interessantes, riu Gabriel.
—Vocês já estão sendo uma bênção: no Natal passado vocês me deram metade do dinheiro que eu precisava para tirar minha carta de motorista. Fiquei muito comovida porque sei que vocês estão juntando dinheiro para casar.
Alice e Gabriel trocaram olhares carinhosos e sonhadores. Logo formariam sua própria família e poderiam juntar seus talentos e posses para servir ao Deus de ambos, atentos aos sonhos e necessidades das pessoas que lhes cercariam.
—Se Deus permitir que nos tornemos ricos, que nunca nos esqueçamos desta conversa!
—E se não permitir também, encerrou Gabriel. —Afinal, é exatamente por causa do Natal de Jesus que somos felizes juntos e não pelas coisas materiais que temos [*].
Publicado na SAF em Revista, 4º Trimestre, 2005
[*} Os fatos das histórias de Isabel normalmente sao extraidos da realidade mas os detalhes e as conversações, por vezes, são frutos da imaginação, para formar o contexo.
SUGESTÕES PARA MEDITAÇÃO E/OU ATIVIDADES
1. Natal é uma época em que quase todo mundo dá presentes—alguns por dever, outros por prazer. Leia Provérbios 22.9 e 1 Timóteo 6.17, 18 e responda se uma pessoa generosa pode ser definida como aquela que compartilha com o pobre daquilo que lhe sobra.
2. Você já orou, alguma vez, a oração do Agur em Provérbios 30.8 e 9? Agur expressa os perigos espirituais que podem acompanhar tanto a pobreza quanto a riqueza. Entretanto, os macedônios pobres eram os mais generosos entre os convertidos (2 Coríntios 8.1-5) enquanto pessoas abastadas como Filemom e Lídia alegremente hospedavam os primeiros missionários. Quais as oportunidades apresentadas pela história que podem estimular generosidade em crianças? Existem outras que não foram citadas (com pessoas hospitalizadas, presas, idosas) que podem ser usadas no Natal dos seus filhos ou netos?
3. Você já participou de algum projeto para crianças pobres? Já parou para examinar a qualidade do presente dado? Será que a alegria no recebimento compensa a tristeza que ocorre quando sai a tinta do rosto da boneca ou quando a criança verifica que aquilo que recebeu é apenas uma imitação barata do sonhado brinquedo? O que esta criança vai pensar do Deus das pessoas que lhe desapontaram?