Que é o homem, que dele te lembres…? Fizeste-o… por um pouco, menor do que Deus… Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão, e sob seus pés tudo lhe puseste. — Salmo 8.4-6
Isabel levantou os olhos do texto que estava digitando e examinou a roupa nas mãos da Áurea.
– Toda vez que guardo as roupas, vejo ela lá no canto.
– Hum… Ah, já sei. É por causa das mangas. Só percebi depois de comprá-la que a blusa foi feita para usar com abotoaduras. Neto tem algumas, mas são enormes. Esta blusa pede algo bem delicado, você não acha?
Áurea concordou e ambas retomaram seus afazeres. Mas, logo depois, ela voltou, trazendo consigo uma caixa. – D. ‘Bel. ‘Tive pensando. Que tal fechar uma das casas e colocar um botão? Isabel sorriu meio sem jeito. – Áurea, nunca pensei nisto! E é uma solução tão simples! Deixe aqui de lado. Vou procurar dois botões bem bonitos.
Naquela noite, Isabel sentou-se com a blusa no colo. Áurea tinha razão. Ela era muito bonita. Leve e sedosa, esbanjava elegância. Agora, só precisava encontrar os botões, prendê-los e fechar as casas. Assim, abriu a caixa e começou a procura. Eram centenas de botões, acumulados durante mais de trinta anos de casada, além daqueles herdados da sua mãe. Representavam diversas épocas, estilos, gostos, pessoas, ocasiões… Quantas histórias poderiam ser contadas a partir deles? Começou a enfileirar alguns botões ao lado da blusa.
O telefone tocou. Era sua sogra, Valdete. – O que está fazendo, Bel?
– ‘tou cá pensando com meus botões.
– Pensando sobre o quê?
– Com meus botões mesmo! Ela contou a história da blusa. – Estou com a caixa inteira derramada na minha frente. Imaginava, agorinha, as conversas que teríamos se juntássemos o seu vidro de botões com a minha caixa.
– Estou até com o vidro de botões, porque Papai perdeu um, do paletó. Ele nega que está engordando, mas o botão não caiu, voou! No lado de fora da igreja, ele rolou pela calçada e desceu por um ralo! Brinquei com ele que se não era da gordura, foi porque estufou o peito falando dos netos…. Tenho uns vinte botões parecidos mas nenhum serve. Vou ter que trocar todos.
– Sabe, mãe, eu ‘tava refletindo sobre a variedade e significado que existe apenas no “mundo” dos meus, mais ou menos 500, botões. O cérebro que Deus me deu instintivamente sabe avaliar se um botão é para uso social ou esportivo, se é velho ou novo, se vai realçar ou contrastar, se está na moda, para adulto ou criança, homem ou mulher…
– Camisa ou paletó.
– Enquanto escolhia os botões para minha blusa, vi que, intuitivamente, fiz várias exclusões com respeito a tamanho, formato, cor…. Assim, eliminei todos os botões grandes de uma vez e aqueles que não eram redondos. Meu instinto também me disse que a blusa só vai permanecer elegante se o botão for da mesma cor, um pouco mais claro ou transparente. Já que ela é creme, excluí os vermelhos, pretos, azuis, verdes…
– Cor de rosa e roxo…
– Ficaram os cremes, beges, brancos, perolados, transparentes… 87 botões. É, eu contei! E fui vendo que ainda existe mais variedade neles. Tem opaco e transparente. Liso e com relevo. Com e sem brilho…
– Com dois buracos e com quatro. E o material?
– Tenho de plástico, cristal, madrepérola…
– Antigamente, se fazia de chifre, osso, couro… Tenho de madeira, de bronze, até de coco. Dá para criar muitas combinações.
– Já fiz a escolha, mãe. É um bem delicado, da mesma tonalidade, translúcido ao mesmo tempo, em formato de uma pequena flor. Mas vou ter que desligar porque Neto e Glorinha estão entrando. Até…
O marido e a filha vieram beijar-lhe, querendo saber qual a razão dos botões espalhados. Ao ouvir a explicação, Neto achou graça. Disse — Mas Belzinha, você já, alguma vez na sua vida, notou o botão da manga de alguém? Qualquer um destes serve! Isabel riu. – É, realmente, nunca notei. Mas não quero estragar a beleza da blusa. Se puder realçar, porque não? Mas não é impressionante a variedade que tenho aqui, apenas nas “sobras” da nossa vida? Vejam quantas cores e tonalidades, tamanhos e materiais que Deus nos deu para trabalhar e criar…
Glória estendeu a mão. – Posso ver aquela caixa? Minha calça jeans está sem botão.
– Veja os que ‘tão em cima da mesa.
– ‘tás brincando, mãe? São pequenos e da cor errada.
– Eu sei. Mas isto ilustra aquilo que eu falava com Vovó. Deus nos capacitou para discernir não apenas a utilidade, mas também a aparência das coisas, até de um mero botão! E eu fico pensando como Ele nos fez diferentes dos animais nisto. Se colocar nossa gatinha em cima da mesa, o máximo que Soraia vai fazer é bater nos botões com a patinha e correr do barulho quando caírem. Nós, entretanto, entendemos que botões servem não apenas para fechar nossas roupas mas também para adorná-las. E nosso cérebro está sempre fazendo escolhas instintivas. No seu caso, o que é que seu instinto lhe diz?
– O botão tem que ser escuro e bem maior. O outro quebrou! Desta vez, vou preferir um de metal.
– E este roxo, não é do tamanho certo?
– É, mas todo mundo iria rir de mim.
– Seu cérebro acaba de unir utilidade com aparência, e escolheu seguir a moda acima da beleza intrínseca. Agora vá perguntar ao seu pai se ele ainda se lembra deste.
Neto pegou o grande botão amarelo, – Este, minha filha, é um botão do “terno da discórdia”. Quase que acaba o nosso namoro por causa deste lindo terno.
– Seu pai o comprou na faculdade, seguindo uma moda que durou uns três meses. Era amarelo quadriculado. Numa igreja cheia de jovens, ninguém achava estranho. Aí, ele foi conhecer a minha família. Na minha igreja só se usava ternos escuros.
– Sua mãe fez o maior escândalo quando viu que havia levado apenas este terno. E só sossegou quando concordei em sair para comprar um novo.
Isabel abraçou o marido – E ele causou uma ótima impressão. Mas o que eu quero ilustrar é outra capacidade nossa que os animais não têm. As nossas memórias são estimuladas para que possamos refletir e tirar conclusões. O botão amarelo lembra uma situação difícil na qual seu pai me amou e respeitou os meus sentimentos, enquanto este de veludo vermelho recorda o vestido que usei quando noivamos. O douradão foi de um casaco muito apreciado por minha mãe. Traz saudades. Uma memória completa a outra. Isto não é especial?
Glória abriu a caixa novamente. – Tem alguma sobra da minha vida aqui também! Olhe, o botão da minha boneca Moranguinho! Tive tanta raiva do médico que disse que eu era alérgica a ela!…
– Dona ‘Bel, a senhora ainda não vestiu a blusa!
– Pois é, Áurea. Agora surgiu um problema com duas casas, na frente, e este não tem solução.
– Como?
– Os botões estão se recusando a entrar nelas.
– Cadê aquele livro de receitas para emagrecer?…
Elizabeth Zekveld Portela
Publicado em SAF em Revista, 4º Trimestre / 2006
1. Leia(m) Salmo 104.24 e, com uma coleção de botões, procure(m) admirar e agradecer a capacidade e o privilégio que Deus nos deu para criar, distinguir, avaliar e apreciar cores, formatos e materiais tão variados.
2. Aproveite(m) para usar alguns botões da sua coleção para compartilhar memórias de momentos marcantes ou saudosos, especialmente aqueles que podem encorajar ou sensibilizar as suas irmãs em Cristo. Lm 3.21.
3. Deus nos deu capacidades incríveis que vão além dos instintos maravilhosos que concedeu aos animais. Estes fazem ninhos e colméias, migram ao redor do mundo – pelos céus e pelos mares – sempre pelos mesmos caminhos… Entretanto, não são criativos como nós. Nunca vamos encontrar um ninho enfeitado com sementes coloridas nem uma colméia em formato de coração. À luz de 1 Co 10.31, pondere(m): Como a sua capacidade de criar e apreciar coisas belas (dentro e fora de casa) pode testemunhar do seu Deus?
Betty,
Parabéns pelo Blog! Aguimar prometeu ser uma visitante assídua. 🙂
Gostei muito do “Quem sou?”.
Um abraço,
Felipe Sabino
Betty,
Excelente iniciativa! Sempre achei que você deveria estar mais “exposta” com seus escritos.
Fiquei pensando com meus botões porque você não colocou nenhuma sugestão para meditação que abordasse o regime :))
Abraços,
Tarcizio
Felipe e Tarcizio,
Agradeço as palavras encorajadoras. Tarcizio, no fair! A meu favor, respondo que uma das primeiras regras da escrita formal é que devemos focar numa coisa só. Se sair dela, podemos perder o fia da meada. Também, a revista só me deu duas páginas dessa vez. O assunto “regime” ocuparia muito mais… Muito mais!… 🙂
Querida Betty,
Amei o texto, amo ler suas crônicas. Seu texto tem estilo e seu modo de se expressar é sempre muito agradável e sempre nos leva à reflexão.
Deus continue te capacitando a nos encantar sempre com as aventuras de Isabel.
Gde bjo
Suenia
Estimada Betty,
Tb parabenizo você pelo “site”, pois veio em boa hora. Ficou bonito, de fácil acesso e – o que é melhor – de amena leitura, embora de tema sério.
Ainda não li todos os textos, mas o farei “step by step”. Fui direto a este “Pensando com meu botões”. Muito legal! Prossiga!
Você me autorizaria o divulgá-lo no boletim da igreja a que sirvo?
BobGarcez.
Belo texto! Nessa época de final de ano é propício trazer a memória muitas coisas, assim como os botões no lembram.