Minha Sogra… Minha Mãe

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Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo… Efésios 1.5 (NVI)

(Isabel escreve para sua irmã, no exterior: trechos dos e-mails)

Sexta-feira
Querida Nelita:
Estou “de volta ao lar”, passando um tempinho com meus queridos sogros. Já que Neto* teve que viajar, e nossos filhos estão todos fora, resolvi pegar um avião e juntar a minha solidão à deles.

Estou me deleitando em ser “filha” de novo, sendo paparicada com todo tipo de comidinha gostosa— tapioca, cuscuz, queijo assado, macaxeira, inhame, banana comprida, bolo de rolo, doce disso, doce daquilo— tudo que o nordeste tem a oferecer… Nem penso em fazer regime aqui! ☺ De vez em quando Papai** me diz—“Filha, você não tem idéia de como estamos felizes em ter você conosco.” Falam, “Coma, filha….” “Descanse…”

Estou mergulhando no passado, relembrando velhos tempos, reencontrando parentes e amigos que me conheceram recém-casada, mãe novata, e ainda me chamam de “menina”… Fotos me cercam nas paredes e prateleiras. Bebês, crianças, adolescentes e adultos, sérios ou sorridentes, se misturam. Vejo, retratado, o desenvolvimento de cada um dos meus filhos. Nenhuma foto foi substituida. Com uma pequena martelada, as mais recentes são encaixadas nos espaços vazios. Contrastam com as expressões sisudas e amareladas dos seus antepassados. São quatro gerações à vista e seriam mais se as enchentes do passado não tivessem destruído a maior parte das fotos antigas deste lar.

Cada visitante aqui tem a obrigação de admirar os netos dos donos da casa. Representam a sua posteridade—ligando as experiências do passado com as esperanças para o futuro. Olhando para aqueles rostos, sinto uma saudade enorme…

Quando saímos daqui, há 15 anos, deixamos para trás caixas e mais caixas de correspondências e lembranças pessoais, até da nossa infância. Portanto, haja caixa, haja papel, haja cheiro de coisas guardadas!… Para diminuir a quantidade de trecos a serem levados para São Paulo, trouxe alguns arquivos para examinar na sala. No começo, espirrei muito, mas agora que ficaram em ambiente arejado, parece que o cheiro melhorou. Mamãe***, muitas vezes, fica de lado. Olhamos, comentamos, relembramos…. Falamos, falamos… São tantas coisas que recordam tempos bons… Também lembranças de experiências difíceis… Até agora, poucas coisas foram para o lixo. Quase deu briga com Mamãe porque ela fica querendo resgatar os envelopes amarelados, os clipes enferrujados, os elásticos ressecados… No fim, fiz pilhas secretas e enfiei tudo num saco de lixo quando ela não estava olhando.

Está na hora de dormir. Outra hora, lhe conto sobre as preciosidades que tenho encontrado nas caixas. Escreva! Você está viva?

Beijos da sua irmã mais velha, Isabel

Segunda-feira
Querida Mana:
Recebi a sua carta contando sobre o homem embriagado, derrubando a porta da sua casa no meio da noite. Que susto! O meu fim-de-semana foi bem mais tranquilo, mas aconteceu algo que me fez refletir…. No sábado à noite acompanhei a família de José, primo de Neto, até à igreja deles, para o culto do aniversário da SAF. Lá, tive um reencontro interessante quando o José me apresentou a um colega-presbítero, o Carlos. Passamos algum tempo conversando e soube que, se eu voltasse no domingo, poderia rever alguns dos seus “irmãos”.

Carlos era um menino no orfanato que auxiliei durante os anos que morei aqui. Sei que você se lembra como eu, por ser trilingue, aceitei ser a correspondente com os patronos dos órfãos na Europa. Pois é, ocorre que, naquele dia mesmo, eu tinha acabado de revirar mais três caixas de papéis antigos. Nelas, encontrei os cadernos em que havia registrado, para meu controle, tudo o que os patronos escreveram e deram, e o que respondemos. Mencionei isto a ele, que demonstrou grande interesse em ver o que eu havia guardado sobre a vida deles. Assim, levei alguns destes cadernos para Carlos, Tomé e Esdras verem. Depois do culto, procuramos um canto reservado para conversarmos. Ficaram emocionados com detalhes tais como a sua cor favorita, o que eles queriam ser quando ficassem grandes, os relatórios que eu pedia da escola e dos “pais” do orfanato sobre o progresso de cada um, o que escreveram sobre seus sonhos e desejos, até as figuras que enfeitavam os cartões que recebiam e o que eles desenhavam de volta…

O Tomé estava com lágrimas nos olhos, quase o tempo todo. E eu comecei a perceber a riqueza que tinha em mãos porque eles não têm pai, mãe, avós ou tios para dizer para eles—assim era você em tal e tal idade. Não existem paredes cobertas de fotos retratando o seu desenvolvimento. Ninguem anotou as suas primeiras palavras ou quando nasceram os primeiros dentes. Não houve quem guardasse os seus melhores desenhos ou trabalhos escolares. (Até as cartas e fotos dos patronos eles não têm mais porque, com a frequente mudança dos responsáveis, não havia quem zelasse continuamente sobre essas coisas). Hoje passei um bom tempo tirando xerox das páginas referentes a eles. Vou deixar para o José e a Rita levarem no domingo que vem.

Tenho que parar… Depois, eu quero compartilhar mais algumas impressões com você, antes de que me fujam de vez.

Beijos, Isabel

Quarta-feira
Querida Nelita:
Ontem, fiquei mexendo nas caixas novamente, examinando mais alguns dos “tesouros” sobre os quais lhe falei antes. Deparei com as cartas que Neto recebeu dos pais após partir, com 19 anos, para passar 7 anos estudando nos Estados Unidos. Formam uma pilha enorme. Primeiro, achei uma muito linda e sábia de Papai respondendo a Neto quando este quis saber a reação deles quanto ao fato de ter se apaixonado por mim. Depois, curiosa em verificar como haviam lidado com o vazio deixada pela ausência do seu único filho, li as cartas dos primeiros meses. Contam detalhes, alegres e tristes, da sua interação com família, igreja e vizinhos para que ele pudesse continuar atualizado. Reagem aos relatos dele. Não expressam nenhuma amargura, lamento, cobrança ou desconfiança. Finalmente, achei uma, escrita bem próximo ao Natal. Pensei—agora as saudades vão vencê-los! Mas veja o que eu encontrei.

Temos pensado muito em ti, por estes dias, e orado muito e constantemente por ti. Que Deus te cubra de bênçãos e te oriente em cada minuto do dia, em todas as tuas atividades e resoluções, decisões e propósitos. Tenho plena confiança Nele que jamais o Seu Espírito deixará de te guiar nesta vida, já que Ele fez morada em teu coração. A tua vida há de ser sempre um hino de louvor ao Seu Nome, para a Sua glória. E ela será sempre linda, disto estou certa, sejam quais forem as circunstâncias. De joelhos, tenho agradecido a Deus pelo filho que Ele me deu. São tantas as bençãos! Nesta vida só recebi bênçãos—Deus me deu bons pais, crentes, fiéis, que me orientaram no Seu Caminho. Deu-me instrução o suficiente para apreciar as belezas da vida, do mundo… Deu-me um marido excelente, acima do comum dos homens e deu-me um filho que puxou ao pai—com virtudes excepcionais, que até aqui só nos tem cumulado de alegrias, felicidade. Louvado seja o nosso querido Deus. ‘Bem-aventurado o que Nele confia’ era a experiência do Salmista no Salmo 34. É a nossa experiência.

Obrigada, meu filho, por tudo de bom que tu és—pelo teu amor para conosco. Certamente que esta bênção passará para ti—serás amado por teus filhos com a mesma intensidade e carinho. A sua fé certamente será firme e segura como a nossa. ‘Mas a misericórdia do Senhor é de eternidade a eternidade sobre aqueles que o temem, e a sua justiça sobre os filhos dos filhos….’(Salmo 103.17). O pacto feito com o povo de Deus um dia, passará adiante ainda mais uma vez. Acho isto maravilhoso e, nestes dias, quando os homens são tão inconstantes, é confortador saber que há o nosso Deus firme, fiel, que não falha jamais. Nele encontramos o apoio para viver cada dia.

Nao é linda? A dor vencida pelo amor. Humanamente falando, quantos jovens não perseverariam na vida cristã, se tivessem mães tão confiantes no seu progresso e fidelidade (baseando-se na fidelidade do seu Deus)?! Eu me sinto pequenina junto dela (espiritualmente—pois fisicamente sou bem maior). E penso que devemos uma parte da força espiritual dos nossos filhos a ela, pois eles também recebem cartas muito parecidas.

Estão me chamando para jantar. Estou com mal-estar hoje e já reviraram o quintal atrás de plantinhas para fazer chá, para me curar. Vida boa a minha, não? Um beijão, Isabel

P.S. Esqueci-me de falar. Ontem fomos fazer algumas compras no Shopping. Numa loja, a vendedora ficou escutando a nossa conversa e, quando fui pagar, não pôde conter a curiosidade. “Ela é mesmo a sua mãe?” Dei a explicação de sempre. “Sou nora dela. Ela me adotou como filha porque também amo seu único filho. Assim a minha sogra se fez minha mãe.” Que privilégio o meu, desde que Deus levou a nossa mãe tão cedo, continuar tendo uma mãe em uma sogra assim. Sempre acho que dá uma bela ilustração de como Deus nos adota como filhos e como podemos chamá-lo de Pai, porque amamos o seu único filho também.

Sexta-feira
Querida irmã:
Estou partindo hoje. Novamente, seremos “pais” e “filha” à distância. Na minha cabeça, irão as lembranças deste período tão gostoso. Na minha mala (além de um inhame de meio metro e queijo de manteiga para Neto), irão as cartas paternas e maternas. Pretendo guardá-las, cuidadosamente, como herança para nossos filhos— testemunhas, enquanto durem, de como seus avós têm crido, como Mamãe escreveu, “que há o nosso Deus firme, fiel, que não falha jamais. Nele encontramos o apoio para viver cada dia.”

Levo, também, parte da correspondência que guardei sobre os órfãos. O contraste entre meus dois “achados” me impressiona. Mas, pelo visto, Deus trabalhou para que os três órfãos que reencontrei agora façam parte ativa do povo dele. São meus irmãos na fé. Como eu, são filhos adotivos do mesmo Pai celestial, também recebedores e transmissores da promessa citada por Mamãe. Mas será que isto aconteceu através ou apesar das suas circunstâncias? E os outros? Deus permitindo, quando voltarmos para passar o Natal com Papai e Mamãe, conseguirei ter contato com mais alguns deles. Enquanto isto, continuarei filosofando…

Vamos marcar uma conversa telefônica? Estou com saudades.
Um abração, ‘Bel

Elizabeth Zekveld Portela
Publicado na SAF em Revista, 2º Trimestre / 2003

*Marido de Isabel
**Sogro de Isabel
***Sogra de Isabel

SUGESTÕES PARA MEDITAÇÃO OU DEBATES
1. Leia Colossenses 3.21, Provérbios 14.1 e Efêsios 4.29. Veja novamente a carta da mãe para seu filho. Compare as palavras dela com a maneira em que você, normalmente, se comunica com seus próprios filhos, netos ou “afiliados”. As suas palavras edificam ou derrubam?

2. O relacionamento amoroso entre Isabel e seus sogros (ou deles com ela) se parece com o seu? Por quê? Ou por que não? Seguindo o exemplo de Efésios 4.22-32, liste (pelo menos) duas atitudes que gostaria de abandonar e duas que poderia revestir no seu lugar.

3. Leia Efésios 1.5 e 5.1 e Tiago 1.27. Como filha adotada e amada, quais os passos que possa tomar para melhor imitar a Deus no seu lidar com os órfãos que lhe cercam, na sua igreja, nas instituições ou até na rua?

2 Comentários a “Minha Sogra… Minha Mãe”

  1. Joselino Santos de Albuquerque disse:

    Que neste Natal os desejos de felicidade guardados durante todo ano venham em forma de presente nos corações daqueles que festejam a Paz e o Amor.

    Olinda – PE, 2009

  2. Joselino Santos de Albuquerque disse:

    Minha sogra minha Mãe que sempre esteve junto de mim e de minha esposa, essa pessoa é especial, sempre que podia estava do nosso lado orientando e cuidando das coisas mais preciosa os netinhos, desejo a você minha sogra que descanse em Paz..16 de dezembro de 2009.

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