Mulher e Mãe, no Século Vinte-e-Um

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Escrito como “Homenagem às Mães”
para o Colégio Mackenzie–São Paulo

http://www.emack.com.br/sao/capela/circulares/dia_maes/homenagem.php

Seus filhos se levantam e a elogiam. (Provérbios 31.28—NVI)

Recentemente, parei no estacionamento de um supermercado, bem ao lado de uma vaga para idosos. O local estava sinalizado pela silhueta de um senhor encurvado com uma bengala e de uma senhora igualmente encurvada, com longo vestido disforme e um coque no topo da cabeça. A imagem antiquada me impactou como uma espécie de insulto à modernidade das mulheres na terceira idade, mas fiquei perplexa quando percebi que eu não sabia que tipo de figura colocar no lugar, para transmitir a mesma informação.

Numa era em que as evidências da velhice são evitadas e apagadas a todo custo, com a ajuda de dentistas, clínicos, cirurgiões, personal trainers e esteticistas, talvez fosse aconselhável substituir as imagens nas placas por palavras. Vemos que os designers das propagandas sentem-se meio perdidos — muitos ainda colocam velhinhas de cabelos brancos para promover o benefício do seu produto para as mulheres que passaram dos sessenta anos, especialmente se for para exemplificar a serenidade de um seguro de vida.

Na vida real, é difícil encontrar senhoras que permitem que seus cabelos se tornem grisalhos ou brancos. E este simples detalhe, na cor dos seus cabelos, é sinal da modificação de muitas outras características que antes eram típicas das nossas avós. Num espaço de tempo extremamente curto, o conceito da velhice mudou. A aparência das mulheres “vovozinhas” definitivamente não é mais a mesma. E nem o seu comportamento. Tenho certeza de que o mundo se tornou mais atraente para muitas delas. Resta saber ainda os benefícios para seus netos e para seus filhos…

Entretanto, creio que a situação das “mães” mudou ainda mais do que a das “avós”. Não existe mais consenso sobre o que é, ou como deve ser, uma mãe —qual o seu papel, ou quais seus deveres… Existe até uma tendência forte e declarada de “desconstruir esse personagem que… é irreal e só gera culpa nas mulheres…” e de rejeitar “o estereotipo da heroína abnegada, aquela que se desdobra em mil,… não falta a uma reunião da escola dos filhos…” (esse esforço transparece em um Informe Publicitário — Mães, na “Vejinha” SP, de 9 de maio de 2007). Como conseqüência, grande parte das mulheres anda confusa, sem saber como reconstruir o conceito e desenvolver a sua própria prática da maternidade. Num mundo em que as pessoas se recusam a acatar, ou ensinar, princípios de “certo” e “errado”, até aquelas mães que são reconhecidamente “bem-sucedidas”, na tarefa de criar filhos alegres e bem-ajustados, se sentem tolhidas quando tentam passar adiante aquilo que aprenderam e aplicaram, como normas a serem seguidas ou imitadas.

Está sendo muito difícil mesclar os direitos e os benefícios conquistados pelas ativistas feministas das últimas décadas com a realidade do nosso dia-a-dia no lar. E noto que as tensões tendem a aumentar, pois, além de trabalhar fora durante o dia, muitas mães ainda se vêem vítimas da crescente pressão dos seus empregadores para que freqüentem cursos suplementares e assim venham a garantir o emprego ou a obter uma promoção.

Querendo ou não, nos encontramos ausentes dos nossos lares pela maior parte do tempo em que nossos filhos estão acordados. Dependemos, mais e mais, de recursos tecnológicos (legítimos e valiosos) para abreviar os afazeres no lar. Mas nos vemos também recorrendo a estes para manter a comunicação com os nossos filhos — por telefone, celular ou Internet, e para mantê-los ocupados — com programas de TV, filmes, I-pods, videogames e jogos ou sites de relacionamento. Todos estes recursos podem ser canais das bênçãos de Deus e instrumentos para o crescimento saudável destes jovens seres que Ele nos confiou. Mas, muitas vezes, acabam se tornando substitutos e não apenas complementos da nossa presença e participação nas suas vidas. Pior ainda, vêm com perigos embutidos que podem prejudicar seriamente as suas mentes e atitudes.

Enquanto isso, as necessidades dos filhos permanecem as mesmas. Ou até maiores, pois precisamos transportá-los de um canto para outro para tentar fornecer os cuidados e ensinamentos que as mães antigamente procuravam providenciar elas mesmas, no convívio diário com seus filhos e com o apoio dos maridos, parentes e vizinhos. Se estivermos com sorte, ainda terá sobrado alguém da era antiga — a nossa mãe, sogra, tia ou vizinha — alguém que esteja disposta a abrir mão da sua liberdade para cuidar dos netos, sobrinhos ou amiguinhos. Alguém que nos ame o bastante para se sacrificar para que nós nos encarreguemos principalmente de providenciar o sustento necessário para que outros vistam, alimentem, eduquem e entretenham as nossas crianças.

Na ausência destas pessoas (ou em conjunto com elas), recorremos a babás, creches, escolinhas e instituições de todo tipo de ensino (natação, línguas, computação, piano, jiu-jitsu…). Além da incessante correria para levá-las e buscá-las, temos que encontrar quem possa acompanhá-las a médicos, dentistas, psicólogos ou laboratórios clínicos durante as doenças e distúrbios que nunca vêm programados. Algumas de nós incrementamos essas atividades com a participação numa igreja nos fins-de-semana, mas nos vemos confiando aos professores da Escola Dominical e líderes das atividades juvenis grande parte do ensino sobre as verdades e deveres espirituais.

Em tudo isto, acabamos delegando a outras pessoas e a instituições muitos aspectos do trabalho de guiar, encorajar e ajudar os nossos filhos no sentido de serem crianças alegres e “bem-ajustadas”. Damos a elas a incumbência de desenvolver técnicas e metas de encaminhá-los na direção de se tornarem cidadãos do mundo—inteligentes, sábios e capacitados a lidar com as dificuldades da sua era. E é na presença delas, mais do que na nossa, que surgem as oportunidades de instruí-los nos valores que queremos incutir. Ou de afastá-los deles… É pelo exemplo que as virtudes que estimamos serão estimuladas. Ou eliminadas….

Esta é a nossa realidade. Nos vemos numa situação e numa civilização onde a mulher que dedica alguns anos da sua vida para cuidar dos filhos em casa, acompanhando e encaminhando o seu desenvolvimento durante a infância e adolescência, está se tornando quase uma peça de museu. Primeiramente, somos muito melhor treinadas para desempenhar funções gratificantes e significativas fora do lar. Oportunidades para exercermos a nossa criatividade ou para impactar uma área, um local, ou até o mundo, acenam para nós. Também somos donas de expectativas enormes em termos dos objetos, privilégios e oportunidades que queremos que nossas crianças desfrutem. Além disto, para complicar, muitas estão sozinhas com o peso de providenciar o sustento para o lar.

Creio que as mães que lutam hoje para equilibrar todos os aspectos ligados ao desenvolvimento sadio dos seus filhos são verdadeiras heroínas — mais ainda provavelmente do que aquelas que antigamente se restringiam à administração do seu lar. Queremos e precisamos ser as principais pessoas na formação do caráter e personalidade destes seres preciosos (preferivelmente com o apoio dos seus pais). Por mais que sejamos diferentes das mulheres que nos antecederam, queremos e precisamos que a palavra “mãe”, quando proferida por nossos filhos, tenha o mesmo conteúdo, significado e riqueza de antigamente.

Não vamos poder atrasar o relógio e mudar as tendências que descrevi acima. Entretanto, estamos ficando tontas e desesperadas nesta infindável roda viva em que nos metemos, algumas por necessidade e outras por opção. Uma coisa é desempenhar a função de mãe com dificuldade (penso, afinal, que este tem sido o destino das mulheres desde os tempos primordiais). Outra é enxergar que aquilo que nos propomos a cumprir está sendo uma impossibilidade. Algo precisa ceder espaço. E quando este algo, ou alguém, acaba sendo o nosso filho — não esporádica, mas regularmente — temos que agir. Logo! Precisamos examinar as nossas prioridades com seriedade e, diante de Deus, resolver tentar algumas modificações.

Às vezes optamos por desenvolver uma habilidade a partir da nossa casa. (Existem lugares e firmas espalhadas pelo mundo que já investem neste tipo de mão-de-obra, especialmente no setor da informática). Algumas mães escolhem trabalhar fora apenas meio-expediente. Outras conseguem certa flexibilidade no seu emprego ou cuidam para que a escola e o trabalho sejam suficientemente perto para que uma aproximação rápida se torne viável.

Melhoras e regularidade na comunicação e planejamento, em conjunto com o pai, podem resultar em diferenças espetaculares, tanto na diminuição do peso da carga quanto na resposta e amadurecimento tranqüilo dos filhos. Se o que nos falta é organização, podemos pedir dicas de pessoas que demonstram talento nesta área. Existem livros dos quais podemos retirar idéias para sermos menos irritadiças e mais preparadas para aproveitar melhor o pouco tempo que temos em conjunto com nossos filhos. Recebamos orientações que nos ajudam a entender que muitos dos confrontos e momentos difíceis que nos abalam, exatamente nas horas em que estamos esperando proporcionar alegria e diversão; são resultado da nossa pouca experiência e limitado convívio. Sejamos encorajadas a aprender com os nossos enganos e erros para tentar novamente…

Vale a pena fazermos uma avaliação do nosso desempenho como mães. Sabemos que nenhuma de nós nasceu perfeita. Nenhuma de nós morrerá perfeita. E os nossos filhos também acumulam problemas e defeitos. Mas podemos melhorar—reconhecendo quando falhamos e aprendendo com nossos erros.

O propósito final destas modificações e adaptações no nosso modo de vida, é de proporcionar o convívio ( “viver junto”) que é absolutamente indispensável para a formação de elos duradouros. É através deste convívio que os elementos de presença e participação podem ser impressos indelevelmente na memória dos nossos filhos.

São nestes momentos que lembranças valiosas são criadas — aquelas que podem levar o nosso filho a nos elogiar de coração como fizeram aqueles relatados no capítulo 31 de Provérbios. Filhos que, até o fim das suas vidas, recordarão pedacinhos daquilo que conjuntamente descobriram conosco; das coisas que criamos, ouvimos e conversamos, ensinamos e orientamos… Irão se dar conta das vezes em que rimos e choramos, encaminhamos e admoestamos, confessamos e perdoamos, brincamos e trabalhamos. Em que paramos maravilhados diante de uma flor ou viajamos para longe… Virão à memória as oportunidades que tivemos de demonstrar abnegação e devoção — repetidas situações em que eles souberam que tinham lugar de destaque nas nossas vidas. Não porque choramingaram ou espernearam, mas porque existem e fazem parte da nossa família, haja o que houver, não importa o que fizerem, sendo inteligentes ou não, alegres ou sérios, irritantes ou bem-humorados… É no compartilhar de pensamentos e eventos que se baseará o diálogo que nos ajudará a atravessar os momentos difíceis do futuro.

Cada amanhecer traz novas oportunidades. Podemos fazer o efeito das palavras ríspidas de ontem, diminuir com um abraço hoje. Podemos apagar a memória da cara trancada do encontro anterior, com um sorriso ou um toque carinhoso… Com a ajuda de Deus, muito do que derrubamos pode ser reconstruído. Os maus exemplos que demos podem ser substituídos. E as coisas boas que já fazemos podem ser reforçadas e ampliadas.

Conduzir uma criança desde a infância até a maioridade é um desafio enorme. Mas é, também, um tremendo privilégio. Poucas coisas são mais compensadoras do que participar ativamente do crescimento e desenvolvimento de um filho; do que levá-lo a milhares de descobertas sobre o mundo ao seu redor; do que ensiná-lo sobre como relacionar-se com a vida que lhe cerca — seja com plantas, animais ou pessoas — admirando, cuidando, analisando, preservando…

Finalmente, temos a incumbência de ensinar aos nossos filhos sobre a parte espiritual de suas vidas. Que foi Deus que os imaginou desde a formação na nossa barriga e que Ele continua vendo cada atitude, cada ação. Que Ele providenciou o meio de aproximarmo-nos dele, através de fé no sacrifício de Jesus. Que existimos não para agradar a nós mesmos, mas para servir a Deus, sendo bênção na vida dos seres que nos cercam. Que a felicidade real só acontece quando vivemos de acordo com seus princípios, registrados na Bíblia.

Quando o Espírito Santo aplicar estes ensinamentos aos corações dos nossos filhos, então seremos não apenas mãe e filho (ou filhos). O elo familiar será duplamente fortalecido, pois nos tornaremos irmãos na fé—filhos adotivos do Criador dos céus e da terra! E quando chegar o dia final, nossos filhos também se levantarão e nos elogiarão por nossa persistência e fidelidade em meio a todas as dificuldades enfrentadas neste Século 21.

Feliz Dia das Mães!

São Paulo, maio de 2007
Betty Portela

5 Comentários a “Mulher e Mãe, no Século Vinte-e-Um”

  1. Elisabete Ramos disse:

    Ola Betty

    Sou Bete, esposa do Tarcizio la do Andrew Jumper.
    Ainda estamos na Holanda.
    Tenho encontrado nas palavras de seu blog estimulo neste tempo como “mulher-mae(…) estrangeira”.
    “É pelo exemplo que as virtudes que estimamos serão estimuladas. Ou eliminadas…”
    Em Julho estaremos no Brasil, com a graca de Deus.
    um grande abraco

    Bete

  2. grace disse:

    Mãe, obrigada por ter sido uma mãe sempre presente, compartilhando sua vida e sabedoria conosco. Tomo você como exemplo em minha vida porque você decidiu sacrificar sua vida por mim e por meus irmãos. Obrigada.

  3. Mical disse:

    Ola Comadre!!

    Que belas palavras estão escritas nesse seu texto, PARABÉNS!!!
    Que Deus tenha misericórdia dessa geração, aonde mães não conseguem mais acompanhar o crescimento de seus filhos.
    Mais uma vez PARABÉNS!!!
    Um abraço
    Mical

  4. Simone Quaresma disse:

    O que mais me entristece é ver mulheres crentes delegando a educação de seus filhos a outros, não pela necessidade, mas por vaidade… Hoje a mulher TEM que trabalhar fora, não só porque “criamos” necessidades dispendiosas, mas também porque alguém disse, e nós acreditamos, que se somos apenas mães por um período de nossas vidas, somos as mais infelizes das criaturas. Daí perdemos a oportunidade e o privilégio que Deus nos deu, de forjar Seu caráter em nossos pequenos! Muito, muito triste!
    Sou mãe de 4 filhos entre 10 e 16 anos, e é quase engraçado notar a perplexidade das pessoas quando digo que não trabalho por opção. Sou até mesmo discriminada. E pelos crentes!!!!! Não é quase engraçado?? Oro para que Deus levante mais mães dispostas a assumir suas responsabilidades e a remar contra a maré.
    Belo texto!

  5. Elaine Cristina disse:

    Sábias palavras bete..
    Apesar do texto ter sido postado em 2007 as palavras continuam vivas e verdadeiras ainda hoje..
    Agradeço a Deus pela existencia de minha mãe, que é uma grande guerreira, que lutou para criar cinco filhos sozinha na decada de 80, quando tudo passava por transformações….graças a Deus, somos vencedores, homens e mulheres honrados.
    Te Amo mamãe Ester!!!!!!!!!!
    Elaine-Valparaiso-SP

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